Autor: Ferreira Carlos
ISBN: 978-989-37-8548-5
páginas: 138
idioma: Português
Uma Nesga de Altanias «O exemplo supremo de liberdade é ser quem você realmente é»
O Carlos Ferreira confidencia-nos ter sido Jim Morisson a dar-lhe o primeiro sinal de que o arrojo, a altivez e a inquietude literária seriam a sua saga. Quem sabe, teria sido esta frase universal a abrir-lhe os caminhos da liberdade. A liberdade da escrita.
“Uma nesga”, numa interpretação humana e mortal quase não existe, mas numa interpretação altiva, destemida e audaz pode transformar-se em algo muito grande, até poderoso. Mesmo que uma nesga nunca deixe de o ser, estreita, humilde e acanhada, se usada com altivez intelectual de quem a escancara em liberdade, pode levar-nos a pensar que também existem nesgas cósmicas como alguns estilos literários, para os quais um dia se deverá inventar definição.
Uma Nesga de Altanias soa-nos a um sincronismo paradoxal de modéstia e altivez que, só por esta ousada antítese literária, nos deixa intrigados com a obra que temos em mãos. Escusado um paralelo com estilos taxativos de princípio, meio e fim, porque o Carlos assim a sonhou, assim a quis e assim a pariu. A obra que temos em mãos é, assim, uma altania propositadamente indefinida, onde só o altruísmo e a intensidade contam. A simetria e o volume de coisa insonsa não têm lugar onde o espírito é mestre.
O Carlos é, sobretudo, um filósofo. Um desinquieto intelectual que não precisa de estar constantemente embriagado para transcrever as suas verdades, algumas delas adormecidas no limbo subtil de quem só agora o lê e, simultaneamente, recorda que não se lembra de ter nascido.
Este livro é tão somente um roteiro de sinais subtilíssimos e, simultaneamente, arrojados. Um desafio à indagação do latente, do que se diz no que fica por dizer, do que se aponta sem referenciação explícita, do que permanece em aberto e filosófico.
Este não é, de todo, o seu primeiro trabalho, mas sim aquele em que certamente descobriu que é um poeta. Um poeta até nos textos prosaicos ou contos de sonhos e pesadelos que irradiam um estilo sentido, adulto e perspicaz, possuindo uma qualidade muito peculiar: a da sua coragem e autenticidade.
Ora, isto é notável num tempo em que a literatura de hoje busca a salvação em correntes artísticas encaixotadas e o Carlos tornou livres como o seu pensamento com uma matriz genética que doravante lhe pertence. Da sua poesia irradia o quotidiano do sereno pensamento até à mais temível tempestade de raiva e revolta, num epicurismo evidente na busca da verdade do pensamento, pautado pelo desabafo prudente de tudo aquilo que amou e também perdeu, mas se recusa a ser escravo.
Ora, um livro de pensamentos e poemas sem uma nesga de romantismo seria imperdoável. Sosseguem-se os leitores. Também os amores, os amigos e os bons momentos lhe disciplinaram o gosto e atenuam as inquietudes com grande equilíbrio e elegância sentimental.
A leitura de Uma Nesga de Altanias faz-nos crescer num quadro de imagens e meditações que nos fazem parar a cada poema e se conjugam com as mais variadas impressões sensoriais. A das pequenas coisas que valoriza e o mundo das grandes coisas que relativiza. No das pequenas-grandes causas, a causa maior: a do Amor.
A fruição natural da vida passa-lhe sempre pelo Amor. Ora suave, ora excessivo. Ora aprisionado em si, ora liberto de todas as peias. Ora vivido na evasão de um sonho, ora assumido no despudor da carne e, ousadamente, no despudor das palavras. Um leque literário sugestivo que vai das imagens platónicas mais ou menos subtis ao erotismo arrojado, enriquecendo esta obra desnuda de métricas, tal como os seus poemas. A maioria dos textos é de versos livres, brancos ou soltos, isto é, sem metrificação nem rima, mas os tornam expressivos e sugestivos. Sobretudo, requintados.
Elaborar a sinopse deste livro é uma honra redobrada. Pois que nela se afirma o dom singularíssimo do seu talento que, naturalmente, não se pode dissociar do Homem Inteiro que o detém. Conheço-lhe esse sufoco das palavras que a todo o momento quer transformar em aberta torrente, onde a cada momento se possa beber depois da travessia de um deserto.
Que se agigante. Assim ele o queira.