Mal-amado - Ana Teia

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Autor: Ana Teia
ISBN: 978-989-37-6161-8
páginas: 128
idioma: Português
 

“A arte de esquecer engolira-o. Remetera ao passado o presente de então e, enterrado, não permitira sofrimentos ou liames. Contudo, em lapsos prateados de certos dias, avassalava-lhe o espírito em agonia profunda. Lágrimas nascentes afloravam-lhe o rosto de súbito, sem a doçura de um aviso, e temia a sociedade em redor, algoz do hábito e dos minutos alinhados do dia-a-dia, cega e má no seu juízo cerrado. O choro era vergonha, no seu desespero. Arranhava a cara, apagava o sal dos corredores de água que lhe lavavam a boca e que engolia, esconjurava do nariz o muco viscoso acumulado em fio, sentia o desespero de não querer e ter de querer, a tortura censora dos seus olhares, o desprezo de quem está bem e se incomoda. Então, chorava escondido, o rosto centrado nos braços de quadrados do tecido da camisa. Onde alguém para lhe cerrar a mágoa, onde os pais mortos, onde a vontade de viver.”

 

“O amigo estivera ausente na aula da manhã e agora, semelhava-o na postura triste e angustiada. Estranhara-o e forçara a entrada das confidências, no recreio. A mãe... também nele ressoavam os pais, também esmigalhavam o ego filial em medos e dúvidas. Ela e o professor de matemática, seria, seria? E ele a acrescentar na mente e os dele, seriam, seriam? A certeza de nunca saber, de nunca perceber, despedaçava-lhe o trilho que, apesar de tudo, seguia. Calara-o com meias verdades que já aprendera com a vida, ensaiara dar-lhe a paz que não conseguia em si. Porque se casam os pais se não sabem conviver, se não amam o suficiente para o conseguir, se os geram e destroem depois, num genocídio programado em família? O amigo chorava em soluços fortes como ele quisera, em vão, soluçar e apertara-o ao peito. A amargura nele, reconhece, no amigo, o grito de partida na senda do amargo, e condói-se. “Vais ver não é nada”, e os dele mortos, “é impressão tua”, e a visão impiedosa através da porta entreaberta. Poupar não ajuda quem poupa mas distrai o poupado, alarga a esperança por mais um tempo até que se torne claro o que é escuro ou escureça de vez.”

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