Com meu peito aberto, sangro os olhos (uma carta)
Nesse tempo, nada parece estar muito bem. Não, nada está bem. Só as tuas poesias – uma linha direta com a vida.
Não sei se ouves, ao fundo, o barulho de sirenes, de vidros se quebrando, de gritos repentinos nas ruas. Eu estou quieto, respirando por trás de tecidos mais ou menos grossos, observando o mundo por uma tela retangular e brilhante. Essa tela não me protege dele – pelo contrário, na maior parte das vezes ela o reflete distorcidamente, fazendo das suas arestas pontas ainda mais afiadas.
Mas, por sorte, muita sorte, através dela também pude ler o teu livro.
“Sinto falta de mim na intensidade,
No coração pulsante da manhã”
Em meio a esse seara de ansiedade, o teu livro tem o efeito oposto: cada página, cada verso, é um solavanco – é um veneno antimonotonia, pra ficar numa citação que, acredito, vais gostar.
Isso não quer dizer que tua poesia seja só alegre, é claro que não. Ela é pura intensidade.
Pois enfrentar a vida, seguir o seu caminho com a coragem de olhar para todos os lados, para fora e para dentro, quer dizer também se conectar com tudo, alegre e triste, efusivo e desesperador.
Tu não se furtas de nenhum sentimento porque sabe que ser um corpo no mundo é ser atravessado por todos eles.
E que é preciso se proteger, mas também, com o peito aberto, se deixar sangrar.
Eu penso, inclusive, que uma das formas de se proteger é exatamente essa: rasgar o peito e o verso. Escrever esses poemas em que quase posso sentir o teu corpo se debatendo, procurando uma maneira de estar no mundo. E encontrando, na própria página em branco, uma maneira de existir.
“Demonstrar fraquezas é o nosso forte”
O mais incrível é que, lendo o teu livro, eu sinto o mundo todo atravessar o meu corpo também.
E fico extremamente feliz que muitos outros vão poder experimentar o universo a partir da tua voz única – ao mesmo tempo desse e de todos os tempos.
E o que eu desejo ao mundo, hoje, é isso: mais Andrew.
“Estilo é conseguir ouvir, não a sua voz,
Mas as vozes que se tem”
Com amor e saudades,
Beto.